quinta-feira, 19 de junho de 2014

PEQUENO TRATADO SOBRE MUDANÇA

O Brasil de 2014 é um lugar no qual várias medidas podem ser tomadas para se prevenir uma 

gravidez indesejada. Pílulas anticoncepcionais (até mesmo a famosa “Pílula do Dia Seguinte”), 

DIUs, camisinhas, espermicida nas camisinhas, etc.

Set – João Lucas – sendo alguém de classe média, relativamente esclarecido e, portanto, 

familiar com tais procedimentos, nunca esperou, enquanto estava na Terra, ser um desses pais 

que fazem um filho em alguém e somem no mundo.

Claro, em Arton, as coisas são diferentes, e isso mesmo supondo que a parceira tenha qualquer 

interesse que seja em evitar uma gravidez, o que não é sempre o caso.

Isso explica a reação de Set na Taverna do Móock, lendo o jornal.

“Hum, parece que o jornalista finalmente está mais equilibrado em relação a nós. Espero que 

isso melhore nossa rePUTA QUE PARIU, EU TENHO UM FILHO!!!"

O termo que Set teria utilizado seria "reputação". Feliz coincidência.

“O quê??? Deixa eu ler isso!” – Disse Artemis. Passou os olhos no texto e começou a rir. – 

“Não acredito, Set! Você foi o primeiro de nós a ter um filho no meio do nada e sumir no 

mundo! Parabéns!”

Set estava um tantinho ocupado. A mente, muito "da Terra” ainda, pensava, no instinto, em 

coisas sobre como pagar pela faculdade do garoto, que nome ele teria e conceitos como divórcio 

e pensão alimentícia, conceitos que eram tão pertinentes para Arton quanto "magia dracônica" 

era para a Terra. Por enquanto, ao menos.

“Mas... Mas como??? Eu só fiquei com ela uma noite, e...” – Disse Set. Claro, Set ERA, 

obviamente, esclarecido o bastante para saber que uma vez bastava, mas essa reação era 

“...e bastou, Set.” – Disse Ace - “Mas... Como você explicará isso a Neruite?”

Set empalideceu.

“Er... Pera. Se o guri dormiu, ela sabia... Antes de mim.”

“Certo...” – Disse Rui – “Bom, isso vai levar algum tempo para melhorar nossa reputação, mas 

já ajuda, e muito.”

“Rui, desculpe se falo assim, mas estou pouco me fodendo para nossa reputação no momento..." 

- Disse Set.

“Bom, não teria esse problema se não tivesse muito fodido ELA...” – Disse Artemis, sorrindo 

um sorriso que Set, mais tarde, qualificaria como ‘sorriso de troll de Internet’.

“Artemis! Dá um tempo! Não tá vendo que ele tá abalado?” – Perguntou Ace – “Set... 

Calma. Respira. Vai ficar tudo bem. Você poderá visitar ele. E Neruite com certeza sabe e 

compreende.”

“Eu tenho um filho... Meu DEUS! Meu Deus... Meu DEUS!!!” – Era Set.

“Qual?” – Perguntou Rui, por instinto. Depois, lembrou – “Ah, certo. Vocês só têm um.”

“Er... Ok... Ok... Nada de pânico... Nada de pânico... Nada de pânico...” – Disse Set.

“Ele está entrando em pânico.” – Disse Rui.

Artemis foi mais direto. Gesticulou para a garçonete, puxou uma caneca de sua bandeja, enfiou-
a na boca do amigo e deu uma sacudida em sua cabeça.

“Ah! Caralho, quer parar com isso?” – Perguntou Set – “Er... Ok, eu precisava disso.”

“Tem graça, o sujeito que está enfrentando Yuden após ter vencido um deus ter medo de um 

bebê!” – Disse Artemis.

“Eu sou só um tradutor, Artemis... Eu sou só um... Droga... Eu sou só um tradutor...” – Disse 

Set – “Eu não teria coragem para enfrentar um bando de milicos de meu mundo e que não têm 

magia... Imagine Yuden, que tem!"

Artemis perdeu a paciência.

“Tá, e eu sou só um batedor de carteiras! E o Rui é só um menestrel! E Ace é só um patrulheiro. 

Não é, Set? Set, preste atenção: isso MUDOU. Sua vida MUDOU. Isso tudo que você está 

lendo nessa porra desse jornal, VOCÊ FEZ. Não foi outro “Set”. E esse jornalista, pela primeira 

vez nessa porra de jornal, não escreveu nenhuma mentira. Você TEVE essa coragem! Você 

ESTÁ enfrentando Yuden, enfrentou e venceu um deus. Seu mundo é um mundo sem magia 

arcana como a conhecemos, mas, aqui, VOCÊ É MAGO. Não adianta querer retornar àquilo e 

fazer de conta que nada aconteceu. Não adianta fingir que tudo continua do mesmo jeito. Não 

adianta fingir que nada mudou. Você agora tem um filho. E, no momento, ao menos, está em 

outra profissão. Você nos conhece como literatura, mas, para nós, esse é o mundo real. Você, no 

momento, está tentando pensar em um jeito de evitar que Yuden entre em guerra com o Reinado 

todo usando esse conhecimento que você tem. Então, não, Set, você não é ‘só um tradutor’, não 

que houvesse desonra em ser um. Você..." – Artemis pausou – “Você é o cara com o plano. E, 

francamente, consigo pensar em pais muito piores do que você seria.”

“Ok... Ok... Eu preciso sair dessa cidade para ir ver o menino, depois... Arrumar, sei lá, 

teleporte, caralhada a quatro... Meu Deus... Mas... Ok. Ok. Foco, foco... Precisamos de 

um plano B se Rhana não cooperar. Ah, sim, e a gente NÃO vai tentar forçá-la a NADA, 

entenderam?”

“Sim, claro.” – Disse Ace.

“Se ela for forçada, foge assim que der e isso piorará as coisas.” – Disse Rui.

“Na boa, Set, se for para evitar uma guerra, eu tou pouco me fodendo se ela quer ou não.” - 

Disse Artemis.

“Ugh...” – Disse Set – “Olha, Artemis, se ela não quiser, foge de novo e a gente se fode!”

“Vai ser mais bem-guardada dessa vez.” – Disse Artemis.

Set sentia uma boa quantidade de engulhos com aquilo. Respirou fundo.

“Bom... Ok... Mas ainda acho que vai dar merda. Dêem-me um momento, preciso pensar em 

uma contingência... Yuden, Yuden... O que tem em Yuden... Pera... Taliran! Taliran Meia-
Noite!” – Disse Set.

“Er... Quem é?” – Perguntou Ace.

“Taliran uma vez levou uma vilazinha de Yuden a Sombria, o reino de Tenebra...” – Disse Set.

“E se é possível levar uma vila de Yuden ao reino de Tenebra, é possível, por algum tempo 

que seja, levar todas as cidades ou Warton, que é o 'quartel’ de Yuden, ao reino de Marah. De 

preferência, na frente do palácio dela. Pois quem vê a luz de Marah não consegue mais lutar, 

vira pacifista!” – Disse Set – “Assim, a capacidade de guerrear de Yuden vai acabar, sem que 

nem uma gota de sangue seja derramada, e a ideologia deles mudaria junto...”

“Hongari tem Marah como divindade principal...” – Disse Ace – “Não deve ser difícil encontrar 

um templo dela por aqui e tentar ficar sabendo de algum meio... Não garanto nada, claro, 

precisamos sair daqui antes de mais nada, mas...”

“Sim...” – Disse Set – “Mas sairemos daqui. Isso não é o problema principal. Além disso, o 

plano A é convencer Rhana, o que faremos ajudando-a a sair daqui, em qualquer caso."

“Certo.” – Disse Ace – “Então, você quer ir a um templo de Marah? Vi um aqui ao lado.”

“Sim.” – Disse Set - "Vamos eu e Rui. Você e Artemis devem procurar informações sobre 

Rhana e sobre Triumphus. Voltamos em meia hora.”

Set e Rui foram.

Marah era uma deusa sui-generis em certos aspectos.

Ninguém se sente mais caótico nos templos de Nimb ou mais ordenado nos de Khalmyr. Da 

mesma forma, embora templos de Keenn sejam quartéis, não é usual se sentir violento neles.

Um templo de Marah pacificava as pessoas.

Set suspirou. Sentia-se muito cansado.

Sou pai. – pensou. Teve de prestar atenção à questão imediata.

“Pois não, em que posso ajudá-los? Sou Irina, clériga de Marah desse templo.” – Era uma 

mulher bonita, dos seus trinta e cinco anos.

“Tenho um pedido a fazer, talvez uma ajuda... Você conhece um clérigo de Tenebra chamado 

Taliran Meia-Noite?" – perguntou Set.

“Já ouvi falar... Transportou uma vila de Yuden para Sombria até que aventureiros a trouxeram 

de volta, certo?”

Set assentiu com a cabeça.

“Quero saber, Irina, se é possível fazer o mesmo, mas transportando ou Yuden ou Warton para... 

Serena. Para onde possam ver a luz da deusa... Ou invocar Marah para Yuden...”

“Deseja evitar a guerra pacificando Yuden, Set.”

Set se deu conta de que não havia se apresentado.

“Er... Magia de leitura de mentes? Eu não...”

“Você não se apresentou, Oráculo... Mas acaso acha que não é... Conhecido? Um homem me 

fala sobre Taliran Meia-Noite, uma história que poucos conhecem, e menciona Yuden com 

grandes planos, sabendo de um dos segredos de minha deusa... Fica fácil. Você é Rui." - Disse 

ao bardo.

“Bom... Eu não acho que você vá me fazer mal.” – Disse Set.

“Jamais.” – Disse Irina – “Porém... Existe uma possibilidade. Suponho que vocês tenham em 

mente algum meio de sair de Triumphus sem morrer pela maldição..."

“Er, como sabe que...”

“Um aventureiro com fama usando roupas simples, mas sem disfarce. O Móock atacou ontem. 

E você, oráculo que é. tem planos envolvendo locais longe daqui.” – Disse Irina, sorrindo 

levemente.

“Irina... Surpreendente.” – Disse Set. Gostou do estilo “Sherlock Holmes” da clériga.

“Precisamos de algum clérigo de Marah em Yuden... E o ritual precisa de certos componentes 

específicos." - Disse Irina - “Mas não será fácil. E vocês devem evitar a violência nessa 

expedição, se forem a ela. E vocês deverão garantir que não haja represálias aos yudeanos 

pacificados por parte dos outros reinos... Será um novo começo.”

“Entendo.” – Disse Set – “Vou tentar. Temos uma clériga. A Clériga. Mas está presa...”

“Isso não a impede, ela só precisa saber que os componentes estão com vocês e poderá fazer a 

prece de mãos vazias... Isso será MUITO difícil, então, quaisquer planos que tenham, usem-nos 

antes. Até porque eu não sei como Keenn reagirá.” – Disse Irina. Depois, contou a Set o meio e 

lhe passou as informações que precisaria para esse plano B.

Em Giluk, um bebê dormia, agasalhado contra o frio que fazia – sempre – lá fora e quentinho.

Em seus sonhos, uma mulher pálida com olhos de lua e cabelos negros sorria e preparava 

para ele uma mamadeira enquanto uma mulher mais jovem, pálida e de cabelos negros, mais 

baixinha e bonitinha, o carregava e o ninava.

Tenebra, a Mãe Noite, sorriu de leve.

“Set agora sabe...”

Neruite abraçou o bebê, sorrindo.

“No próximo sonho, eu o mostro a ele, então... Eu disse que você ia gostar de vir aqui...”

Tenebra se permitiu corar diante de sua filha.

“Estou mudando, filha. Sabe muito bem disso... Mas, por enquanto...”

“Sim, já sei. Não contar para ninguém.” – Disse Neruite, enquanto aninhava o bebê.

Nem Raposa Cinzenta e nem qualquer outro habitante de Giluk saberiam explicar de onde 

vieram a bonita manta preta-azulada com temas de estrelas que parecia protegê-lo de qualquer 

frio e o mamute de pelúcia que ele agarrava e do qual tanto parecia gostar. Tampouco sabiam 

por que é que o bebê nunca acordava chorando e nem jamais parecia ter um pesadelo.

É que o bebê em questão teve sorte no quesito "madrasta” e no quesito “avó extra”, só isso.

Isso também explicara por que é que, em uma ocasião em que o garoto quase fora atacado por 

minotauros do gelo em um ataque deles à vila, os minotauros foram atacados por algo sombrio, 

escuro e feroz que não deixou nem uma gota de sangue e nem um grama de carne nos ossos 

brancos e o bebê foi protegido e apenas ficou lá, calmo, deitado e quentinho.

A título de curiosidade, uma das paredes do palácio de Tenebra em Sombria agora geme e berra, 

com a espessura de carne e várias faces distorcidas, todas acabando em uma só boca. Seus 

grunhidos são mais ou menos parecidos com o som de minotauros implorando por piedade.

Essa parede, por sinal, fica de frente para uma que fora “inaugurada” após os paus-mandados de 

Sckhar terem ferido Petra. Essa parede não grita mais. Só chora.

Enfim. Alheio a isso, o filho de Raposa Cinzenta e de Set dormia como um anjo, protegido 

pessoalmente por duas deusas.

- - - - - - -

Enquanto Isso, no Cume...

“VOCÊ PEGA UMA, TOMA ELA TODA, SETE MILHÕES, OITOCENTOS E NOVENTA E 

QUATRO MIL, TREZENTAS E ONZE GARRAFAS DE CERVEJA!!!”

Por algum motivo, Clériga não estava rouca e os prisioneiros não se chateavam com a cantoria, 

mesmo depois de mais de duas milhões de iterações.

Os guardas, sim.

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