terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A Noite dos Mortos-Vivos


Por Andre França Esteves

Assim como em todas as noites, Nox se levantou antes de seus companheiros enquanto a lua ainda estava bastante alta no céu. Seu anel era um item bastante útil para um guerreiro como ele, que deve manter guarda todos os dias, mas issvo o retirava boas longas noites de sono. Não que ele tivesse bons sonhos para sonhar de qualquer maneira.

De maneira robótica e silenciosa, ele se afastou um pouco do pequeno acampamento onde seus companheiros ainda dormiam e ajoelhou-se em cima de uma colina próxima de onde ele podia ver uma extensa planície em frente, serpenteada por uma longa estrada de pedra feita pelos minotauros. No céu, viam-se centenas de estrelas que iluminavam a pele negra do drow e realçavam seus olhos prateados.

Seguindo seu ritual noturno, Nox enfileirou suas duas espadas em frente aos joelhos e fechou os olhos enquanto aguçava os ouvidos élficos. Neste momento, pareceu a si que todo o mundo ganhava vida. Deixando de lado o limitado sentido da visão e se focando na audição, percebeu coelhos passeando pela floresta, minhocas cavando no interior da terra, pássaros voando acima de sua cabeça e até mesmo o som das árvores conversando entre si através do farfalhar de seus galhos.

Tudo aqui vive”, pensou Nox, “Tudo menos eu.”

Sim, ele não vivia. Mesmo com sua audição extremamente sensível, Nox não conseguia ouvir a vida dentro de si. Era como se seu coração tivesse parado, o sangue engrossado em suas veias e cada uma das juntas estivesse tão envelhecida a ponto de não conseguir mais movimentar um único dedo. A vida tinha deixado ele... mas não estava tão longe.

Com pesar, o elfo pegou a espada de lâmina vermelha à sua frente e olhou seu reflexo no metal. Em contraste com seu rosto apático e indiferente, ele via vida na espada, como se ela pulsasse sangue dentro do metal. Era a jaula de sua própria vida e ao mesmo tempo aquilo que o protegia da morte nos momentos de maior necessidade. Seu milagre, mas principalmente a sua tragédia.

Atormentado por sua sina, Nox encontrou a própria testa contra o metal da espada e relembrou-se de sua vida.

As coisas não costumavam ser assim... Não era para ser assim!” – Enraivecido, Nox socou a terra e encostou a cabeça na grama – “Quando eu deixei Toril e vim para Arton, eu estava cheio de vida. Ambicioso. Pronto para matar os mais diversos monstros, viver todas as aventuras que o mais épico dos aventureiros deve viver. Era muito mais fraco do que sou agora, é verdade, mas também muito mais preenchido do que sou hoje. Sim... Essa é a palavra. Preenchido. Agora... agora sou só uma casca. Tormenta, Sszzaas, Arton, multiverso ou não... Não me faz mais diferença.”

Nox passou bastante tempo ali, deitado na grama e remoendo a falta de justificativa de sua própria existência, lembrando-se de seu tempo como aventureiro e até mesmo sentindo saudade de quando ainda era apenas outro drow nas cavernas subterrâneas, quando não era apenas uma mão segurando uma espada. Seu sofrimento durou muito, mas eventualmente levantou a cabeça, secou os chorosos olhos e se levantou. O Sol já começava a nascer.

Quando se levantou, Nox percebeu que já não era mais o único acordado, nem provavelmente nunca foi. Existia outro membro do grupo que nunca dormia, que sempre mantinha seus olhos abertos e vigiantes. Assim como Nox, ele também tinha um pacto com o deus da vingança.

"Por que você não me deixou ser comido pelas cobras?” – Disse o elfo negro para o amontoado de cobras ao seu lado enquanto recolhia as espadas e andava até o acampamento, para acordar o resto do grupo. Ele se arrependeu da pergunta logo no momento em que a fez.

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